terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Luta pela liberdade sob a bandeira da SS na Estônia


O reconhecimento dos legionários da SS nazista como combatentes pela liberdade do país irá dividir a sociedade da Estônia, diz Vladimir Metelitsa, presidente da Sociedade de Veteranos da Segunda Guerra Mundial, com sede em Tallinn. Tais manipulações da História são perigosas e podem levar a consequências imprevisíveis. O projeto é votado hoje, 24 de fevereiro, dia da independência da Estônia, no parlamento do país. 

Segundo as autoridades estonianas, o projeto-de-lei abrange todos os que lutaram pela restauração da independência da Estônia e não discrimina entre formas e pertença a qualquer ramo militar. Assim, podem ser considerados combatentes pela Estônia democrática tanto os veteranos da 20ª divisão estoniana da SS como os cidadãos que serviram na Wehrmacht, disse em entrevista à Voz da Rússia Vladimir Metelitsa:

"Isso nos indigna. Nos indigna essa tentativa de rever, de dar a volta à história da Segunda Guerra Mundial. Essa decisão é quase um crime, ela nega os resultados dos julgamentos de Nuremberga. A 20ª divisão era composta por assassinos, por pessoas que têm as mãos manchadas de sangue. Seu objetivo era a destruição de pessoas inocentes. Agora o parlamento está tentando declará-los heróis-libertadores da Estônia. Então, Hitler também pode ser declarado libertador da Estônia."

O reconhecimento dos “combatentes pela liberdade” era uma condição do acordo de coligação concluído pelo Partido Reformista da Estônia e a União pela Pátria e Res Pública. Hoje, esses partidos de direita formam a coalizão governista.

30 de julho, na localidade de Sinimäe no nordeste da Estónia, realizou-se o encontro anual dos veteranos da 20ª Divisão das SS. Foi lá é que se travaram durante vários meses os combates encarniçados, em 1944: os exércitos de Hitler, incluindo a 20ª Divisão das SS da Estónia, resistiram à ofensiva soviética. Ambos os lados perderam cerca de 200 mil pessoas.
É de realçar que o projeto-de-lei foi reanimado quando na sociedade se formou uma tendência para um consenso sobre a história do período soviético. Esta é uma tentativa de dividir a sociedade. Tudo isso vem da ignorância da história. A Divisão SS nazista é uma coisa, as pessoas que serviram no exército alemão por alistamento obrigatório já é outra. Nós estabelecemos contatos com essas pessoas aqui na Estônia. Há uma Sociedade da Segunda Guerra Mundial . Quando surgiu a questão de remoção do monumento do Soldado de Bronze, os membros dessa sociedade em uma mesa redonda tomaram o nosso lado. O Soldado de Bronze é um símbolo da vitória sobre o fascismo, acredita Vladimir Metelitsa.

“Já existe no país uma União de Combatentes pela Liberdade da Estônia, e seus membros são – intencionalmente ou não – veteranos da dita 20ª divisão da SS (a chamada “Legião Estoniana”). Nas vésperas da votação no parlamento, a 22 de fevereiro, a organização assinou um acordo com um membro da coalizão governista – o partido Reformista da Estônia. Além da questão do reconhecimento legal dos “libertadores”, o acordo diz que a organização pode receber ajuda do orçamento de Estado."

A embaixada russa na Estônia criticou duramente o projeto-de-lei. Historiadores, incluindo historiadores europeus, argumentam que tais tentativas de reescrever a História levarão ao esquecimento do Holocausto (a destruição em massa de civis pelos fascistas). Enquanto isso, a União Europeia, quase não reage às ações das autoridades estonianas. A Comissão Europeia disse apenas que iria verificar a conformidade do documento com o direito europeu.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Croácia e o conhecimento do Vaticano - Parte 1


Alojzije Stepinac, Arcebispo de Zagreb com Ante Pavelic 
     Desde o início, o arcebispo de Zagreb, Alojzije Stepinac (beatificado por João Paulo II na Croácia, em 3 de outubro de 1998), estava de pleno acordo com os objetivos gerais do novo Estado croata. Empenhou-se em fazer com que fosse reconhecido pelo papa. Visitou Pavelic em 16 de abril de 1941. Ouviu o novo líder declarar que "não teria tolerância com a Igreja ortodoxa sérvia", registrou Stepinac em seu diário, "porque em sua opinião não era urna Igreja, mas unia organização política". Isto proporcionou a Stepinac a impressão de que "Poglavnik era um católico sincero(19). Nessa mesma noite, Stepinac ofereceu um jantar a Pavelic e aos principais líderes do Ustashe, a fim de celebrar a volta de todos do exílio. Em 28 de abril, no próprio dia em que 250 sérvios foram massacrados em Bjelovar, uma carta pastoral de Stepinac foi lida em todos os púlpitos católicos, conclamando o clero e os fiéis a colaborarem no trabalho do líder.

     Por que esforço de ingenuidade Stepinac deixou de compreender o que a colaboração podia envolver? No início de junho de 1941, o general alemão plenipotenciário para a Croácia, Edmund Glaise von Horstenau, declarou que, segundo relatórios confiáveis de observadores militares e civis alemães, "o Ustashe, num processo de loucura desvairada"(20). No mês seguinte, Glaise relatou o embaraço dos alemães, que "com seis batalhões de infantaria" observavam impotentes "a fúria cega e sangrenta do Ustashe”.

   Padres, invariavelmente franciscanos, assumiram um papel de destaque nos massacres (21). Muitos costumavam andar armados e executavam seus atos assassinos com o maior zelo. Um certo padre Bozidar Bralow, conhecido pela metralhadora que era sua constante companheira, foi acusado de realizar uma dança em tomo dos cadáveres de 180 sérvios massacrados em Alipasin-Most. Muitos padres franciscanos mataram, atearam fogo a casas, saquearam aldeias e devastaram os campos à frente de bandos do Ustashe. Em setembro de 1941, um repórter italiano escreveu sobre um franciscano que vira ao sul de Banja Luka exortando um bando do Ustashe com seu crucifixo. 

    No arquivo do Ministério do Exterior em Roma há um registro fotográfico de atrocidades: mulheres com seios cortados, olhos arrancados, genitálias mutiladas; e os instrumentos da carnificina, facões, machados e ganchos de açougueiro(22)

    E qual foi a atitude e reação das forças italianas na região? Sob alguns aspectos, foi similar à reação das tropas da Organização das Nações Unidas na Iugoslávia na história mais recente (embora com diferenças óbvias) de impotência e consternação. Constrangido por sua aliança com a Alemanha nazista e as circunstâncias da guerra mundial, o Exército italiano tinha um raio de ação limitado. Mesmo assim, calcula-se que em 1º de julho de 1943 os italianos já haviam oferecido proteção a 33.464 civis em sua esfera influência iugoslava, dos quais 2.118 eram judeus(23). Falconi especulou a humanidade dos italianos sob esse aspecto pode ter sido em parte uma decorrência de pressão do Vaticano, embora os indícios são “superficiais e vagos". A pesquisa e avaliação de Jonathan Steinberg sobre a relutância italiana em participar da deportação e extermínio descartariam essa possibilidade. Num comovente sumário do complexo fenômeno italiano de humanitarismo na Iugoslávia, entre 1941 e 1943, Steinberg assevera: “Um longo processo, iniciado com a reação espontânea de jovens oficiais isolados, na primavera de 1941, que não suportaram ficar de braços cruzados observando os carniceiros croatas retalharem sérvios e judeus, homens, mulheres e crianças, culminou em julho de 1943 com uma espécie de conspiração nacional para frustrar a brutalidade muito maior e mais sistemática do Estado nazista. (...) Baseava-se em certas suposições sobre o que significava ser italiano"(25).

    Muito se falou nos anos do pós-guerra sobre a i soai do arcebispo Stepinac, o primaz católico romano da Croácia e seus eventuais protestos contra as perseguições e massacres. Contudo, mesmo que seja considerado inocente de qualquer tolerância com o ódio racial assassino, é evidente que ele e o episcopado endossaram um desprezo pela liberdade religiosa equivaler; à cumplicidade com a violência. Stepinac enviou uma longa carta a Pavelic sobre as questões dos massacres e conversões. O escritor Hubert Butler traduziu o texto para o inglês de uma cópia datilografada que obteve em Zagreb, em 1946. Cita as opiniões de outros bispos, todos a favor, inclusive uma carta do bispo católico de Mostar, um certo dr. Miscic, expressando o anseio histórico de que o episcopado croata aceitasse as conversões em massa ao catolicismo.

    O bispo começa com a declaração de que "nunca houve urna ocasião tão boa quanto agora para ajudarmos a Croácia a salvar incontáveis almas". Fala com entusiasmo sobre as conversões em massa. Mas acrescenta que deplora "a visão restrita" das autoridades, que perseguem até os convertidos e os "tratam corno escravos". Relaciona massacres conhecidos de mães, moças e crianças com menos de oito anos, levadas para as montanhas e "jogadas vivas — nas ravinas mais profundas". Em seguida, ele faz uma espantosa declaração: "Na paróquia de Klepca, 700 cismáticos das aldeias vizinhas foram chacinados. O subprefeito de Mostar, sr. Baile, um muçulmano, disse publicamente (como um servidor público, deveria ter se calado) que só em Ljubina 700 cismáticos foram jogados numa fossa"(26).


    A carta revela a confusão moral implícita no comportamento dos bispos, que aproveitaram a derrota da Iugoslávia diante dos nazistas para aumentar o poder e influência do catolicismo nos Bálcãs. Um bispo depois de outro endossa a promoção de conversões, ao mesmo tempo em que admite que não faz sentido cismáticos em ravinas. Os bispos não queriam se dissociar do regime, hesitavam em condenar e excomungar Pavelic e seus companheiros, por causa da relutância em perder as oportunidades proporcionadas pela "boa ocasião" de consolidar uma base de poder católico nos Bálcas. A mesma relutância em perder a oportunidade para uma predominância católica no Leste contagiou o Vaticano e, em última análise, o próprio Pacelli. Na verdade, fora essa mesma relutância em perder uma única oportunidade de "evangelização" que levara Pacelli, em 1913-14, a pressionar  pela Concordata Sérvia, na esperança de criar uma base de ritual latino na cristandade do Leste, apesar das repercussões e perigos inevitáveis.

    Pacelli estava melhor informado sobre a situação na Croácia do que em qualquer outra parte da Europa, fora da Itália, durante a segunda Guerra Mundial. Seu delegado apostólico, Marcone, circulava entre Zagreb e Roma à vontade. Havia sempre aviões militares à sua disposição para voar até o novo Estado da Croácia. Os bispos, alguns dos quais integravam o parlamento da Croácia, comunicavam-se livremente com o Vaticano. Podiam sempre fazer visitas ad limina ao papa em Roma(27). Durante estas visitas, o pontífice e outros membros da Cúria tinham toda a liberdade para fazer perguntas sobre as condições na Croácia, e sem dúvida não deixavam de indagar.

   Pacelli tinha meios pessoais alternativos de informação, inclusive as transmissões diárias da BBC, que eram sempre monitoradas e traduzidas para ele por Osborne, o representante de Londres no Vaticano. Havia um noticiário freqüente da BBC sobre a Croácia. A notícia seguinte, transmitida em 16 de fevereiro de 1942 era típica: "As piores atrocidades estão sendo cometidas na jurisdição do arcebispo [Stepinac]. O sangue de irmãos corre em abundância. “Os ortodoxos estão sendo convertidos à força ao catolicismo, mas não ouvimos a voz do arcebispo pregando a revoltas disso, informa-se que ele está participando de desfiles nazistas e fascistas(28).

    Um fluxo de diretivas aos bispos croatas, partindo da congregação para as igrejas orientais da Santa Sé, que cuidava em particular dos católicos de ritual oriental na região, indica que o Vaticano sabia das conversões forçadas a partir de julho de 1941. Os documentos focalizam a insistência do Vaticano para que os convertidos em potencial ao catolicismo fossem rejeitados quando ficar patente que procuram o batismo pelas razões erradas (...) estas razões erradas (os documentos insinuavam, sem chegar a dizer expressamente) sendo o terror e a tentativa de evitar a morte.

    Em 14 de agosto, o presidente da União para a comunidade israelita de Alatri escreveu para o secretário de Estado mi pedindo ajuda em nome de milhares de judeus croatas, "residentes em Zagreb e em outros centros da Croácia, que foram presos sem razão, privados dos seus bens e deportados". Descrevia como seis mil judeus foram despejados numa ilha árida e montanhosa, sem meios de proteção contra o tempo, sem ali nem água. Todas as tentativas de socorrê-los foram "proibidas pelas autoridades croatas"(29). A carta suplicava uma intervenção da Santa Sé junto aos governos italiano e croata. Não há qualquer resposta ou ação da Santa Sé.


Notas(enumeradas conforme no livro):
19 - Falconi, Silence, p. 273
20 - Citado em J. Steinberg, All or Nothing, p.181.
21 - Ver Falconi, Silence, p.298.
22 - J. Steinberg, All or Nothing, p.30.
23 - Ibid., p.132.
24 - Falconi, Silence, p.318. 
25 -  J. Steinberg, All or Nothing, p.133. 
26 - Citado em H. Butler, The Sub-Prefect Should Have Held His Tongue, ed. R.F. Foster(Londres, 1966), p. 175.
27 - Falconi, Silence, p.303.
28 - Ibid., p.304.
29 - ADSS, viii, 250ff.

Transcrição: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: CORNWELL, John - O Papa de Hitler - A historia secreta de Pio XII, Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000, p. 286-290.

OBS: O livro tende a acusar o Papa PIO XII, e recebeu duras criticas sobre isso,  é imparcial  segundo alguns criticos, em algumas partes em relação a Pacelli (se pode-se dizer isso). Mas a parte da ligação da ICAR e o regime de extrema direita do NHD na Croácia e Ustasha é inegável, tanto que os livros que as opiniões que contra Cornwell fica na esfera da relação com Hitler, acusações de anti-semitismo de Pacelli e etc...
Só filtrar a informação. Um texto ótimo é esse, do Holocaust Reserch Project:


Assuntos relacionados: (depois completo)

O regime brutal da Croácia Católica



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Missa em memória do líder croata Pavelic causa polêmica

Pavelic e Hitler em 1941

ZAGREB, 2 Jan 2012 (AFP) -O centro Simon Wiesenthal, organização que se dedicou a procurar ex-nazistas, denunciou nesta segunda-feira uma missa celebrada recentemente em Zagreb, em memória de Ante Pavelic, líder croata pró-nazismo entre 1941 e 1945, e pediu à Igreja para reduzir à condição de laicos os dois sacerdotes que a presidiram.

A missa, celebrada dia 28 de dezembro, no 51º aniversário da morte de Ante Pavelic, é uma "vergonha para a Igreja croata e incompreensível em um país que está prestes a integrar a União Europeia" (em 2013), condenou o centro Simon Wiesenthal em um comunicado.

O chefe do centro, Efraim Zuroff, qualificou este ato religioso de "grave insulto à memória das numerosas vítimas de Pavelic".

Zuroff pediu às autoridades croatas que proíbam no futuro cerimônias similares e pediu às autoridades religiosas para rebaixar à condição de laicos os dois sacerdotes que chefiaram a missa "por ter celebrado uma cerimônia que ridiculariza totalmente os valores cristãos".

No passado eram celebradas regularmente missas em memória de Pavelic na basílica do centro de Zagreb, assim como em Split, na costa Adriática. Quase 90% da população croata é católica.

Entre 1941 e 1945, Ante Pavelic, fundador do movimento 'utasha', esteve à frente do Estado Independente da Croácia (NDH), um Estado fantoche, aliado da Alemanha nazista e do regime fascista italiano.

Ele morreu em 28 de dezembro de 1959, em Madri, dois anos depois de ser ferido em um atentado contra sua vida em Buenos Aires, onde estava refugiado desde 1945.

O regime croata de Pavelic matou milhares de sérvios, judeus e ciganos em campos de concentração.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O homem que não saudou os nazistas

No destaque, August Landmesser de braços cruzados durante saudação nazista
 Uma antiga foto se espalhou pelo Facebook nos últimos dias. Nela, dezenas de pessoas fazem o cumprimento nazista enquanto um homem permanece de braços cruzados, com o olhar voltado para alguns companheiros.
O registro foi feito no porto de Hamburgo em 1936, em plena era nazista. Dezenas de pessoas estavam reunidas para assistir ao lançamento de um navio militar. Mas somente em 1991 o desafiador homem foi identificado.
Após ver a foto em um jornal alemão, uma de suas filhas o reconheceu. Só então August Landmesser, que trabalhava no estaleiro de Hamburgo, teve sua história revelada. Apesar de ter ingressado no Partido Nazista em 1931, ele foi expulso em 1935, por se casar com uma judia chamada Irma Eckler. Com ela, teve duas filhas e por isso foi preso, acusado de “desonrar a raça” ariana. Em 1941, foi libertado e enviado à guerra. Porém, logo depois de partir para a batalha, foi dado como desaparecido em combate e declarado morto.
Acredita-se que Irma foi presa pela Gestapo, a polícia secreta nazista, e levada para a prisão de Hamburgo. Ingrid, uma de suas filhas, foi morar com a avó materna, enquanto sua irmã Irene foi enviada a um orfanato e posteriormente adotada.
Em 1996, Irene escreveu um livro contando a história de sua família. Agora, a foto se tornou um hit após ser publicada na página do Facebook Senri No Michi, um blog criado após o terremoto e o tsunami de 2011 do Japão para divulgar iniciativas de caridade. A imagem foi postada no dia 4 de fevereiro, com o título “Gente comum. A coragem de dizer não” e uma pequena explicação sobre sua história. Já foi curtida mais de 83 mil vezes e compartilhada por 30 mil pessoas.

Fonte: http://oglobo.globo.com/mundo/o-homem-que-nao-saudou-os-nazistas-3923145#ixzz1mNkrbQD5

OBS: Reação comum feita tambem por Estudantes da Biblia(hoje chamados de Testemunhas de Jeová). Realmente, demonstração de coragem e desafio ao regime nazista.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O regime brutal da Croácia Católica


O Emissário do Vaticano Ramiro Marcone, terceiro da direita,Alojzije Stepinac, primeiro à direita,e Ante Pavelic, parcialmente obscurecido, extrema esquerda,no funeral em 1944 de Marko Dosen, o Presidente do Parlamento Ustasha. 

 O regime brutal da Croácia Católica 

   Pacelli e os dirigentes da secretaria de Estado estavam convencidos, assim como os governos por toda a Europa, de que uma guerra entre a Alemanha e a União Soviética era apenas uma questão de tempo. Diante da possibilidade de a Europa cair sob o poder de Stalin, com provas abundantes da intenção soviética de suprimir as igrejas cristãs, a campanha balcânica de Mussolini, ela outubro de 1940, foi encarada por alguns membros da Cúria com um certo otimismo. Afinal, nesse contexto, a Iugoslávia era considerada o último baluarte antes da Itália e o Mediterrâneo. O fracasso de Mussolini em derrotar os gregos, no entanto, significava que Hitler devia partir em seu socorro; e para que ele tivesse acesso à Grécia, era preciso persuadir a Iugoslávia a aderir ao Eixo. O pacto entre Alemanha, Itália e Iugoslávia foi assinado em Viena, em 25 de março de 1941. Dois dias depois, um grupo de nacionalistas sérvios tomou o poder em Belgrado, aboliu a regência e anunciou que a Iugoslávia seria aliada das democracias ocidentais. Churchill declarou em Londres que os iugoslavos haviam recuperado sua "alma". Em represália, Hitler invadiu a Iugoslávia em 6 de abril, em conjunto com a ofensiva na Grécia. Bombardeou a cidade aberta de Belgrado, matando cinco mil pessoas. Quando a Wehrmacht entrou em Zagreb, em 10 de abril, os fascistas croatas tiveram permissão para proclamar a independência da Croácia. No dia seguinte, a Itália e a Hungria (outro Estado fascista) juntaram forças a Hitler para a divisão do "bolo" iugoslavo. Em 12 de abril, Hitler apresentou seu plano para a divisão da Iugoslávia, concedendo a Posição de "ariana" a uma Croácia independente, com a liderança de Ante Pavelic, que aguardava os acontecimentos, sob o patrocínio de Mussolini. O grupo de Pavelic, o Ustashe (do verbo ustati, significando "rebelar-se"), opusera-se à formação do reino eslavo meridional da Iugoslávia, depois da Primeira Guerra Mundial. Sempre planejara atos de sabotagem do refúgio seguro da Itália; fora Pavelic quem tramara o assassinato do rei Alexandre, em 1934. Mussolini concedera a Pavelic o uso de centros de treinamento numa remota ilha eólia, além de acesso à Rádio Bati, para transmissões de propaganda através do Adriático. 

       Foi esse o panorama da campanha de terror e extermínio realizada pelo Ustashe da Croácia contra dois milhões de cristãos ortodoxos sérvios e uma quantidade menor de judeus, ciganos e comunistas, entre 1941 e 1945. O processo de "limpeza étnica", antes que esse tempo hediondo entrasse em voga, foi urna tentativa de criar urna Croácia católica "pura", por meio de conversões forçadas, deportações e extermínio em massa. Os atos de tortura e assassinato foram tão terríveis que até mesmo os calejados soldados alemães manifestaram seu horror. Mesmo em comparação com o recente derramamento de sangue na Iugoslávia, na ocasião em que este livro foi escrito, a agressão de Pavelic contra os sérvios ortodoxos continua a ser um dos mais terríveis massacres civis da História. 

   A importância desses acontecimentos para esta narrativa baseia-se em três considerações: o conhecimento das atrocidades pelo Vaticano, a omissão de Pacelli em usar sua influência para interferir e a cumplicidade que representou na Solução Final sendo planejada no Norte da Europa. 

     O legado histórico que sustentou a formação do NDH (Nezaviss na Drzava Hrvatska), ou Estado Independente da Croácia, foi uma combinação de lealdade antiga ao papado, com mais de 1.300 anos, e um senso de profundo ressentimento contra os sérvios por injustiças passadas e presentes. Os nacionalistas croatas acalentavam muito rancor contra a ascendência sérvia, que os excluíra de várias profissões e da igualdade de oportunidades na educação. Os sérvios eram culpados, os croatas assim percebiam, de favorecer a fé ortodoxa, encorajar o cisma entre católicos e sistematicamente colonizar áreas católicas com sérvios ortodoxos. Tanto sérvios quanto croatas encontravam uma equivalência entre identidade étnica e religiosa — sérvio ortodoxo contra croata católico. Ao mesmo tempo, os judeus na região foram condenados por causa da raça, além de suas ligações com o comunismo e a maçonaria, e um suposto estímulo à prática do aborto.

     Pacelli endossara com entusiasmo o nacionalismo croata e confirmara a percepção da História pelo Ustashe, em novembro de 1939, quando unia peregrinação nacional foi a Roma para promover a causa de um mártir franciscano croata, Nicola Tavelic. O primaz croata, arcebispo. Alojzije Stepinac, representou os Peregrinos e fez um discurso para o papa. Na resposta, Pacelli um epíteto que fora aplicado aos croatas pelo papa Leão X: "Posto avançado do cristianismo" — era como se os sérvios, religiosos ortodoxos de um antigo cisma de Roma, não tivessem o direito de se intitular cristãos. "A esperança de um futuro melhor parece sorrir para vocês", declarou Pacelli„ com unia terrível ironia, "um futuro em que as relações entre a Igreja e o Estado em seu país serão reguladas em ação harmoniosa em benefício de ambos(12)

      As fronteiras do novo Estado abrangiam a Croácia, a Eslovênia, a Bósnia Herzegovina e uma grande parte da Dalmácia. De uma população de cerca de 6.700.000 habitantes, 3.300.000 eram croatas (e, portanto, católicos), 2.200.000 sérvios ortodoxos 750 mil muçulmanos, 70 mil protestantes e cerca de 45 mil judeus. A existência da minoria germânica protestante não representava qualquer problema para a liderança do Ustashe; também não, o que parece estranho, o grande enclave de muçulmanos. Mas os sérvios ortodoxos se defrontaram com "soluções radicais", assim como os judeus, que foram de imediato marcados para a eliminação. 

      Em 25 de abril de 1941, Pavelic determinou a proibição de todas as publicações, particulares e públicas, em alfabeto cirílico (usado pelos sérvios ortodoxos). Em maio, a legislação anti-semita foi promulgada, definindo os judeus em termos racistas. Eles foram inclusive proibidos de casar com arianos. Foi iniciado o movimento para a "arianização" da burocracia governamental, as profissões liberais e o capital judeu. No mesmo mês, os primeiros judeus foram deportados de Zagreb para um campo de concentração em Danica(13). Em junho, as escolas primárias sérvias ortodoxas foram fechadas. 

        Nessa situação nova e perigosa para os sérvios, surgiu uma questão: se a vida se tornava insuportável por causa da fé ortodoxa, por que não procurar a conversão ao catolicismo? Semanas depois da fundação do Estado croata, os sacerdotes católicos estavam acolhendo os sérvios ortodoxos na Igreja católica. Em 14 de julho de 1941, no entanto, antecipando sua política de conversão seletiva e o objetivo eventual de genocídio, o ministro da Justiça da Croácia determinou aos bispos da nação que "o governo croata não tenciona aceitar dentro da Igreja católica padres ou professores, em suma, os intelectuais — inclusive os ricos comerciantes e artesãos ortodoxos, porque normas específicas para eles serão promulgada mais tarde. Também não podemos permitir que eles prejudiquem o prestígio do catolicismo"(14). O destino tácito desses sérvios ortodoxos, excluídos de antemão do iminente programa de conversão compulsória, era a deportação e extermínio. Mas, na chacina enlouquecida que se seguiu, nem mesmo o mo católico podia garantir imunidade. 

        Desde o início, os atos e declarações públicas envolvendo a limpeza étnica e os programas anti-semitas foram bem conhecidos do episcopado católico e da Ação Católica, a associação Lie1 que Pacelli promoveu com tanto vigor, como núncio papal 11.11 Alemanha e cardeal-secretário de Estado. Essas medidas racistas e anti-semitas, portanto, eram também conhecidas pela Santa Sé __ e por Pacelli, quando recebeu Pavelic no Vaticano. Além disso, esses atos eram conhecidos na própria ocasião em que laços diplomáticos clandestinos estavam sendo forjados entre a Croácia e a Santa Sé. Um aspecto fundamental dessa guerra essencialmente religiosa foi à apropriação pelos croatas católicos de igrejas desocupadas ou requisitadas aos ortodoxos: a questão foi discutida pela Cúria e normas de conduta foram elaboradas.

      Mas desde o início houve outras atrocidades, as notícias a respeito se espalhando de boca em boca(15). Pavelic, logo ficou patente, não era exatamente um equivalente de Himmler e Heydrich, pois não partilhava a aptidão fria dos dois para a burocracia da matança sistemática. Em vez disso, a liderança do Ustashe lançou-se a massacres com um barbarismo cruel e casual, que tem poucos paralelos na História. 

         O escritor italiano Cano Falconi foi incumbido, no início da década de 1960, de escrever a história do massacre dos sérvios, judeus e outros pelos croatas. Suas pesquisas em arquivos iugoslavos e nas fontes disponíveis do Vaticano na ocasião foram meticulosas"(16). Ele descobriu os exemplos seguintes de atrocidades disseminadas, cometidas na Croácia a partir da primavera de 1941.

         Em 28 de abril, um bando do Ustasha atacou seis aldeias no distrito de Bjelovar e levou 250 homens, inclusive um professor e um padre Ortodoxo. As vítimas foram obrigadas a escavar uma vala, depois foram amarradas com arame e enterradas vivas. Poucos dias depois, num lugar chamado Otocac, o Ustashe prendeu 331 sérvios, inclusive o padre ortodoxo local e seu filho. Mais uma vez, as vítimas foram obrigadas a escavar as próprias sepulturas, antes de serem retalhadas até a morte com machados. Os criminosos deixaram o padre e seu filho para o final. O padre foi forçado a recital: oração para os agonizantes, enquanto o filho era retalhado. Depois o padre foi torturado, os cabelos e a barba arrancados, os olhos tirados das órbitas. No final, foi esfolado vivo.

Conversão forçada dos sérvios ortodoxos à fé católica romana
Civis sérvios forçados a se converter ao catolicismo pela Ustaše em Glina
      Em 14 de maio, num lugar chamado Glina, centenas de sérvios foram levados a urna igreja para assistirem a uma missa obrigatória de ação de graças pela criação do NDH. Depois que os sérvios estavam lá dentro, um bando do Ustashe entrou, com facões e machados. Pediram a todos os presentes que apresentassem o certificado de conversão ao catolicismo. Apenas dois tinham os documentos exigidos. Foram soltos. As portas foram trancadas e os outros foram massacrados. 

        Quatro dias depois do massacre de Glina, Pavelic, que se intitulava Poglavnik ou Führer foi a Roma para assinar (por pressão de Hitler) um tratado com Mussolini, concedendo à Itália distritos e cidades croatas na costa da Dalmácia. Nessa mesma visita, Pavelic teve uma audiência "devocionista" com Pio XII, no Vaticano. O Estado Independente da Croácia recebeu assim o reconhecimento de fato da Santa Sé. O abade Ramiro Marcone, do mosteiro beneditino de Montevergine, foi designado para legado apostólico em Zagreh. Não há provas de que Pacelli e a secretaria de Estado tivessem conhecimento das atrocidades que já haviam começado na Croácia na primavera de 1941. Parece evidente que o rápido reconhecimento do fato (o Vaticano evitava o reconhecimento de novos Estados em tempo de guerra) devia-se mais à posição da Croácia como um bastião contra o comunismo do que urna aceitação à sua política brutal. De qualquer forma, sabia-se desde o início que Pavelic era um ditador totalitário, fantoche de Hitler e Mussolini, que promulgara urna série de leis racistas e anti-semitas, e que se empenhava na conversão compulsória de ortodoxos ao cristianismo católico. Acima de tudo, Pacelli tinha noção de que o novo Estado era como disse Jonathan Steinberg, "não o resultado de um heroico levante do povo de Deus, mas uma decorrência da intervenção externa". O Estado Independente da Croácia, como o mundo inteiro sabia resultara da violenta e ilegítima invasão e anexação do reino da Iugoslávia (que mantinha relações diplomáticas ri agora diplomáticas com o Vaticano) por Hitler e Mussolini; e agora Pacelli apertava a mão de Pavelic, concedia-lhe a bênção papal.

          Demoraria algum tempo para que a Santa Sé soubesse das atrocidades. Mas os detalhes do massacre dos sérvios e da virtual eliminação dos judeus e dos ciganos eram conhecidos desde o inicio pelo clero e pelo episcopado católico croata. Na verdade, o Clero muitas vezes teve uma participação destacada(17)

       A contagem final quase desafia a credibilidade. Pelos cálculos confiáveis mais recentes, 487.000 sérvios ortodoxos e 27.000 ciganos foram massacrados entre 1941 e 1945 no Estado Independente da Croácia. Além disso, cerca de 30.000 de uma população de 45.000 judeus foram mortos: de 20 000 a 25.000 nos campos de extermínio do Ustashe e outros 7.000 deportados para as câmaras de gás(18). Como foi possível que, apesar do relacionamento de poder autoritário entre o papado e a Igreja local — um relacionamento de poder que Pacelli se empenhara em consolidar —, não houvesse nenhuma tentativa do Vaticano para impedir às matanças, as conversões forçadas, a apropriação de bens ortodoxos? Como foi possível, quando as atrocidades se tornaram do conhecimento de todos no Vaticano. Como vamos demonstrar que Pacelli não dissociasse no mesmo instante a Santa Sé das ações do Ustashe, condenando os criminosos? 

Notas(enumeradas conforme no livro):
13 - Diário de Osborne citado em Chadwick, Britain and the vatican...,p.206.
14 - Tittmann's papers citado em Chadwick, Britain and the vatican...,p.207.
15 - Chadwik, Britain and the vatican...,p.208-209.
16 - Carta de Osborne a McEwan, 31 de julho de 1942.
17 - Carta de Osborne a McEwan, 25 de agosto de 1942.
18 - Carta de Osborne a McEwan, 18 de setembro de 1942.

Transcrição: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte:  CORNWELL, John - O Papa de Hitler - A historia secreta de Pio XII, Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000, p. 281-286.