quinta-feira, 18 de agosto de 2016

As raízes históricas e atuais da guerra do Iêmen

Homem carrega garoto atingido durante fogo cruzado
Foto: BBC
Iêmen é o país árabe mais pobre. Segundo conta Ptolomeu, foi fértil, úmido e rico há muitos séculos. Daquele local chegava o incenso, mirra, ouro, marfim e seda. No século VIII, o Reino de Sabá, com capital em Ma'rib, alcançou um grande poder devido à sua localização geográfica entre a Índia e o Mediterrâneo, o que lhe permitiu crescer com o monopólio do tráfico de especiarias.

Atualmente, acaba de se declarar um alto ao fogo da Guerra Civil que começou em 2014. Contudo, o conflito armado recomeçou com força com um aumento considerável de vítimas entre os civis nas últimas semanas. Segundo as Nações Unidas, morreram cerca de 1400 pessoas desde o começo da guerra, a maior parte civis. Outras fontes falam de 6300 mortos e uns 10% de refugiados entre 26 milhões de habitantes.

E antes: quantas guerras civis ocorreram no Iêmen durante o século XX e quantas mortes ocorreram? A Guerra Civil de 2014 não surgiu do nada. Não é consequência da tomada da capital, Saná, pelos houthis, nem das revoluções árabes. Entender a situação atual do conflito, e porque foi gerado, implica uma enorme dificuldade. E do Iêmen, infelizmente, sabe-se muito pouco; ou melhor, interessa muito pouco.

A não resolução e nefasta gestão dos conflitos armados e tribais, as ingerências históricas de países como Egito, Arábia Saudita e Grã-Bretanha, sobretudo, criaram um mapa muito complicado. Em 1990, unificou-se à República Árabe do Iêmen, o Iêmen do Norte com a República Popular do Iêmen ou Iêmen do Sul.

O Iêmen do Norte alcançou a independência em 1918 com a participação do Império Otomano e foi objeto depois do domínio de nacionalistas (defendidos pela Arábia Saudita) e republicanos (defendidos pelo Egito de Nasser). Iêmen do Sul fez parte do protetorado britânico até 1967 e se constituiu como o único Estado árabe comunista a partir de 1969.

Nos anos 70, agudizaram-se os enfrentamentos entre os dois estados, o que gerou duas guerras civis, em 1972 e 1979. A queda da União Soviética acelerou a união dos dois em 1990. Contudo, a convivência não foi fácil e deu lugar a uma nova guerra civil em 1994 na qual o norte impôs sua hegemonia.

Por razão das revoluções árabes, os iemenitas se rebelaram contra o regime corrupto do presidente Ali Abdullah Saleh através de manifestações pacíficas reprimidas violentamente pelo governo. A transição democrática prometida não foi obtida e continuaram os protestos. Em 2012, destituiu-se Saleh e assumiu a presidência Abd Rabbuh Mansur al-Hadi depois de um referendo. Iêmen foi se debilitando ainda mais econômica e socialmente.

Neste contexto, os rebeldes houthis conquistaram a capital de Saná em meio a protestos da população contra a alta da gasolina. Em 2015, dissolveram o Parlamento e Hadi se viu obrigado a renunciar seu cargo, ainda que mais tarde tenha conseguido fugir para Áden e revogou sua renúncia. Os separatistas do sul e das forças leais a Hadi, com sede em Áden, enfrentaram-se contra os houthis, leais a Saleh. Assim começou a última guerra civil.

Os houthis são xiitas da minoria zaidita, ramificação do Islã surgida no século VIII. Foram um movimento religioso, têm uma facção armada e constituem um movimento social. Sua importância no Iêmen é grande pois, devido a dita ramificação, são seguidos por um terço dos habitantes.

No país imperou desde sempre uma estrutura tribal, sobretudo no norte, onde se encontram as duas tribos mais importantes, zaiditas. Milhares de pessoas seguem respeitando a opinião dos jegues ou chefes das tribos, a quem podem chegar a legitimar ou não opções de governo. Como foi o caso de Saleh (também zaidita), a quem foi respaldado pelos houthis quando foi eleito presidente da República Árabe do Iêmen nos anos 70. A ideia de um Estado central é recente e alheia ao corpo político e social do país.

A politização dos houthis se produziu como consequência da invasão estadunidense do Iraque em 2003. Seu líder, Hussein al-Houthi, fomentou o sentimento antiamericano e lançou uma revolta armada contra o presidente Saleh, a quem apoiava Washington. Saleh livrou passou por seis guerras contra os houthis desde o ano de 2010.

Ao objetivo inicial de defender os direitos da minoria zaidita e a crescente predicação dos sunitas, somaram-se vinganças tribais e interesses econômicos por controle do contrabando e o tráfico de pessoas com a Arábia Saudita. As revoluções árabes abriram o caminho para trasladar as reclamações dos houthis à capital, que tomaram facilmente devido ao mal-estar dos habitantes contra a corrupção e a supressão dos subsídios aos carburantes.

Em março de 2015, depois da tomada dos houthis das cidades de Taiz e Moca e a fuga de Hadi do país, uma coalizão internacional guiada pela Arábia Saudita lançou operações militares aéreas para restaurar o governo de Hadi. Os Estados Unidos prestaram seu apoio logístico para a campanha. De novo a Arábia Saudita intervinha nos conflitos do Oriente apoiada pelos EUA.

Arábia Saudita se encontra atualmente num estado de grande vulnerabilidade. Deve resolver vários problemas internos e externos. Entre eles, manter suas fronteiras e sua unidade. Assim tenta abolir diferenças regionais, como a região de Jizan-Asir-Najran, limítrofe com o Iêmen, que passou para as mãos dos sauditas em 1990 e agora tenta de novo ser parte do Iêmen. A isto se somam, as medidas fiscais que se fixaram para contrapor a baixa do preço de petróleo num contexto de pobreza e desemprego. Além disso, há a rivalidade com o Irã, mais próxima de um enfrentamento geopolítico que de um sectário e religioso entre sunitas e xiitas.

Ambos países competem pela influência regional no Golfo Pérsico em concreto e Oriente Médio em geral, e utilizaram os conflitos dos estados árabes, Iêmen e Síria sobretudo, para potencializar sua influência na região.

Human Rights Watch esteve nos lugares dos bombardeios desde que começou a campanha aérea dos sauditas e encontraram restos de sistemas e bombas fabricadas nos EUA, agora mesmo, o o sub-administrador central de armas da Arábia Saudita e dos outros países do Golfo. Provavelmente, matar uma centena de pessoas com uma bomba porque estão próximas de um grupo de combatentes deveria ser considerado crime de guerra e ser investigado.

A quem beneficia esta ofensiva? Aparentemente a Al-Qaeda e o Daesh (Estado Islâmico). Outro Estado falido do qual se beneficiam grupos terroristas. Obama apresentou há alguns meses o caso do Iêmen como exemplo do que pretendia fazer no Oriente Médio para lutar contra o Daesh: colaborar com governos sem necessidade de usar forças norte-americanas de terra.

Em resumo, não se assiste a um conflito único. O mal-estar provém do mosaico de lutas pelos poderes regionais, locais e internacionais, consequência, tanto dos acontecimentos recentes, como do passado. Talvez porque nem Emirados Árabes nem Arábia Saudita são responsáveis de construir o Iêmen moderno, a tarefa segue pertencendo aos iemenitas.

Patricia Almarcegui; 15/08/2016 - 19:25h
Milicianos houthis em Saná, Iêmen. EFE
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Fonte: Eldiario.es (Espanha)
http://www.eldiario.es/zonacritica/raices-historicas-guerra-Yemen_6_548455160.html
Título original: Las raíces históricas y actuales de la guerra de Yemen
Tradução: Roberto Lucena

Observação: achei o texto 'mais ou menos', porque tenho o péssimo hábito de ir lendo à medida que traduzo (quando acho que um texto interessante, faço isso), e parto do princípio de que é melhor termos 'algo' do que 'coisa alguma'. Depois vejo se consigo colocar informação adicional ao texto. Fiz a escolha porque tenho em boa conta esse jornal da Espanha. E como podem notar, a cobertura desses conflitos mundo afora é pífia no Brasil devido à mídia podre e provinciana que temos.

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